Pedro Gonçalves Moacir
Quantos
brasileiros passaram para a história dos esquecidos ? Muitos. Por vezes cabe-nos trazê-los aos
holofotes para que a justiça se restabeleça, mesmo que tardiamente. Pedro
Gonçalves Moacyr é um destes brasileiros, que devemos trazer sua biografia a
lume, resgatando a história de um grande homem que lutou muito pela democracia
deste país. Pedro Gonçalves Moacyr teve uma vida repleta de desafios e realizações que o
distinguiram na sociedade. Não obstante o passar de tão longo espaço de tempo
prejudicar a coleta de dados, todo o esforço para elaborar um texto que expresse
o todo ou parte de sua obra, certamente representa um ganho de qualidade à história
do Brasil, que outros, quiçá, o venham complementar.
De
profissão advogado, atuou na área jornalística e política, onde alcançou em
várias eleições lugar de destaque na Assembleia Legislativa do Estado e na
Câmara de Deputados.
Nascido
em Porto Alegre na data de 29 de junho de 1871 à rua da Varzinha, hoje Demétrio
Ribeiro, era filho de Dona Leopoldina dos Santos Jobim, professora pública, e
do Dr. José Gonçalves Vianna, homem reconhecidamente muito culto e grande
orador.
Passou
a infância na cidade de Taquari, vindo a estudar preparatórios em sua cidade
natal, junto a seu pai, que lhe forneceu sólida cultura humanística.
Aos
16 anos foi para São Paulo e matricula-se na Faculdade de Direito. Por concurso
foi nomeado funcionário dos Correios da cidade, e onde tornou-se propagandista
da República, acompanhando Prudente de Moares. Formou-se na Faculdade de
Direito de São Paulo, em 1891. Retorna a Porto alegre, entra na política e
apoia o Dr. Júlio de Castilhos. Um ano após, ao completar a maioridade, foi
eleito deputado estadual à 2ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Rio
Grande do Sul, de 1893 a 1897, sendo relator do Orçamento e tornando-se primeiro secretário da Mesa
Diretora da Assembleia.
Esteve
ligado, desde muito jovem, ao PRR - Partido Republicano Rio-Grandense. Em 1894 casou-se com Francisca Vieira Alves
de Oliveira e renunciou ao mandato estadual, pois foi eleito deputado federal
pelo Rio Grande do Sul na legenda do PRR.
Ocupou
a direção do jornal “A Federação” de 1893 a 1895. A última sede do jornal,
inaugurada em 6 de setembro de 1922 em comemoração ao centenário da
Independência do Brasil, é hoje, na cidade de Porto Alegre, o Museu de Comunicação
Social Hipólito José da Costa, ilustre gaúcho. Tratava-se de veículo de divulgação
dos ideais políticos do Partido. Com a ascensão do partido ao governo do
Estado, tornou-se o porta-voz oficial da opinião do governo. Seu objetivo era
disseminar as ideias republicanas.
Para
se ter uma ideia da importância deste jornal, o que dimensiona o trabalho e currículo
de Pedro Gonçalves Moacyr: os
idealizadores do jornal, aprovado no I Congresso do Partido em 1883, foram
Venâncio Aires, Ramiro Barcelos, Ernesto Alves, Barros Cassal, Borges de Medeiros,
Fernando Abbott, Carlos Barbosa, Germano Hasslocher e Júlio de Castilhos, todos
nomes de ponta que construíram a história política do Rio Grande do Sul e do
Brasil.
Sua primeira edição circulou em janeiro de
1884 e possuía em suas publicações questões políticas ligadas ao Estado e ao
país, além de apresentar ocorrências policiais e alguns anúncios.
No
“A Federação” que foi publicada em 16 de setembro de 1886 a primeira lista telefônica
de Porto Alegre , nela, a Companhia União Telephonica do Brazil. No seu auge,
na década de 1910, chegou a uma tiragem de dez mil exemplares por dia e
autointitulava-se o jornal de maior circulação do Rio Grande do Sul, competindo
com o Correio do Povo. Na década de 30 passou a órgão oficial do Partido Republicano
Liberal, que substituiu ao Partido Republicano Riograndense. Em janeiro de 1933
foi adotado como Diário Oficial do Estado. Em maio de 1935 com o surgimento do
Diário Oficial, editado pelo governo, voltou a ser um jornal partidário. Em
outubro de 1937 cria uma sucursal do jornal no Rio de Janeiro.
Pedro
Gonçalves Moacyr foi deputado federal na legislatura de 1894-1895, até se
desentender com Júlio de Castilhos e aderir à dissidência dos “nórmicos”.
Participou também da comissão organizada com o intuito de aprovar o projeto de
programa e regimento do Partido Federalista, que havia sido fundado em 31 de
março de 1892 em oposição ao PRR. Essa comissão, formada também por Rafael
Cabeda, Alcides Lima e Barros Cassal, aprovou as novas propostas em 1901.
Em
março de 1908, com o objetivo de reunir todos os grupos descontentes com o
controle do PRR sobre a política estadual, alguns membros da comissão diretora
do Partido Federalista, entre os quais Pedro Moacir e Rafael Cabeda, encontraram-se
com Assis Brasil na cidade de Bajé. Durante a reunião, chegou-se a redigir uma
proposta unificadora das oposições gaúchas, sugerindo-se que o Partido Federalista,
por conveniência política, deixasse em suspenso suas teses parlamentaristas.
Esse documento, contudo, não conseguiu promover a fusão, pois a facção
federalista de Francisco Antunes Maciel, então deputado federal (1906-1911), se
recusou a aceitar a incorporação por entender que isso significaria o
sacrifício da doutrina parlamentar e o desaparecimento do próprio partido.
Faço
aqui uma contextualização para explicar o termo “nórmicos”, anteriormente
citado:
O
autoritarismo de Castilhos já suscitara, dentro de seu próprio grupo,
resistências expressivas, que se traduziram na formação, ainda em julho de
1896, com anterioridade à reorganização dos federalistas, de um Partido
Republicano Liberal, reunindo membros da antiga dissidência demetrista (Demétrio
Ribeiro, Barros Cassal, Antão de Faria) com os chamados “autonomistas” ou
“nórmicos”, liderados por Homero Baptista, Álvaro Baptista, Pedro Gonçalves
Moacyr, Francisco Miranda, Alcides Lima, Setembrino de Carvalho e outros.
A
atividade desse partido, que teve curta duração, centrava-se em torno do jornal
“A REPÚBLICA”, fundado por Homero Baptista, Álvaro Baptista e Francisco
Miranda, ainda em julho de 1894, em plena guerra civil. Foi redator chefe de
1897 a 1899. Era de seu programa a revisão da Constituição Estadual, para
afeiçoá-la às regras da Federal, e a defesa da autonomia municipal. Receberam,
seus fundadores, o rótulo de “nórmicos”, porque alegavam que o Partido
Republicano Rio-Grandense havia-se afastado das “normas” consagradas em seu
nascedouro e durante a propaganda republicana.
Em
1896, terminado o mandato de Deputado Federal, Pedro Gonçalves Moacyr não foi
reeleito pois havia rompido com a situação rio-grandense em setembro de 1895,
ao ser discutida a anistia aos revolucionários de 93, que ele queria ampla e
irrestrita, o que contrariava o pensamento do governo do Estado. Manteve-se
leal ao seu velho amigo Prudente de Moraes, então Presidente da República.
Tendo ficado na dissidência, assume como redator-chefe do Jornal “A República”.
Ingressou no Partido Federalista e assumiu uma postura revisionista da
Constituição, tendo sido um dos defensores do testamento político de Silveira
Martins, em 1901.
Retornou
à Câmara Federal em 1906, como deputado federal, na primeira vez que o Partido
Federalista teve alguma chance de sucesso nas eleições federais no Rio Grande
do Sul. Foi neste mandato, especificamente no ano de 1906 em uma sessão do
Congresso, elegemos uma de suas manifestações sobre a defesa da visão
nacionalista e a contrariedade e oposição ao modelo que se estabelecera na
forma ditatorial de Júlio de Castilhos:
“A oposição do Rio Grande do Sul tem mais
do que um papel regional: visa um objetivo eminentemente nacional, pelo seu
programa, pelas suas ideias de reforma, (...) visto como se propõe, além da remodelação completa do
Estado, pela reforma de sua Constituição e das leis complementares, à
reconstrução geral do país ou do organismo político, que se agita nos textos da Constituição de 24 de
Fevereiro.”
Foi
reeleito em 1909 e 1912. Com dificuldades para reeleger-se em 1915 pelo Rio
Grande do Sul, foi apoiado pelo então presidente fluminense Nilo Peçanha
(1914-1917) do 1º distrito do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido reconduzido
até 1917. No Rio de Janeiro tornou-se advogado de destaque graças as suas
atuações brilhantes em vários atuações. Nesta ocasião foi alvo de elogio de Rui
Barbosa, que lhe atribuía um talento autêntico.
Mesmo
estando afastado do Rio Grande do Sul, manteve-se atuante, atendendo aos
anseios do Estado. Em 08 de janeiro de 1906, com seu apoio direto, o decreto de
equiparação do Ginásio ao Colégio Pedro II., antigo "Gimnasio Pelotense",
fundado em 24/10/1902 por maçons da cidade de Pelotas, é levado a sanção do
presidente da República.
Na
maçonaria, vale destacar, Pedro Gonçalves Moacyr, Iniciado na Loja Progresso da
Humanidade em 03/10/1892, posteriormente membro da Loja Hiram em 1899, deixa
seu nome para a história da Arte Real ao ser empossado como 'Grão-Orador' no
dia 14 de outubro de 1893, há 121 anos, quando foi oficialmente fundado o
Grande Oriente do Rio Grande do Sul. Historicamente
a participação de maçons do Estado na Câmara Federal na fase republicana, em
seus primeiros anos, privilegia, dos 42 deputados gaúchos, apenas seis, dentre
eles, Pedro Gonçalves Moacyr.
No
Rio de Janeiro era membro do Instituto da Ordem dos Advogados, do qual foi
orador. De 1898 a 1905 colaborou na imprensa carioca, escrevendo sempre sobre
política. Foi redator de “O País” e “Diário de Notícias”, ambos no Rio de Janeiro. Raramente vinha ao Sul. Em uma das raras
vezes, esteve em Montividéu em julho de 1901 acompanhando o Conselheiro Gaspar
da Silva Martins, que, de repentino, no dia 23 veio à óbito. Neste dia de luto
nacional, fez um magnânimo discurso, onde expressou que estivera com o Conselheiro
na véspera e conversara longamente sobre “a remodelação nacional do Brasil
republicano” e “sobre suas ideias de revisão constitucional”.
Em
1906, ao retornar ao Rio Grande, é eleito deputado federal pelo Partido
Federalista, sendo reeleito nas legislaturas seguintes até 1914. Com sua visão
federalista, defendia a harmonia das constituições estaduais com a Federal,
devendo aquelas respeitarem a hierarquia. Entretanto, constantemente destacava
em seus pronunciamentos a existência de um desacerto
profundo da Constituição sul-rio-grandense
para com a Carta federal, o que feria seriamente os princípios basilares do sistema
republicano federativo. Na defesa de seu entendimento apresenta no dia 07 de
junho de 1907, no Plenário Nacional, a necessidade de intervensão nos estados e
de que forma deveria se efetivar a tão pretendida intervenção: por meio da
nomeação de um interventor. Afrimara:
“Indico
que o Congresso Nacional se manifeste sobre a necessidade de uma comissão
mista de cinco deputados e cinco
senadores, a qual, conjuntamente com as Comissões de Constituição e de Justiça
da Câmara e do Senado, proceda ao estudo das Constituições dos Estados e verifique se estão ou não de acordo com os
princípios constitucionais da União. (Art. 63 da Constituição Federal).
Que,
verificada qualquer infração da Constituição Federal, o Congresso Nacional
imediatamente se pronuncie sobre ela, pela forma que os Regimentos da Câmara e
do Senado os determinarem, ou por um processo especial.
Que, em
seguida, o Poder Executivo nomeie um interventor incumbido de administrar o
Estado, cuja Constituição for em parte ou no todo declarada inconstitucional e
de mandar proceder à urgente eleição de
uma assembleia constituinte, à qual competirá emendar ou substituir os artigos considerados inconstitucionais.
Que,
terminado o trabalho dessa constituinte, cessem as funções do interventor e o
governo do Estado volte aos seus órgãos reguladores.
Que o
Poder Executivo faça respeitar as decisões do Congresso Nacional com fundamentos nos arts. 63, 35, n I, 34 ns. 33 a 34 e 6º, §
§ 2º e 5º, combinados, da Constituição Federal.
(Sala das Sessões, 19 de junho de 1907.)”
Fazendo
ainda menção à situação política vivenciada pelo país vizinho - Argentina, que
vivia sob um sítio intermitente desde 1853, que Pedro Moacyr voltou a discursar
em prol da aprovação de sua indicação:
“Mas, se tal solução não agrada, porque se
trata da nomeação de um interventor, esse terrível fantasma que até hoje não
assombrou outros povos que vivem sob a mesma forma política que nós temos, como
a República Argentina, então veja a Câmara outra solução.“
Com
as dificuldades de se implantar um federalismo autêntico, uma democracia
verdadeira e uma identidade nacional, face ao jogo de interesses que se estabeleceram
após a implantação da República, gerando inclusive uma certa suadade aos tempos
do Império, Pedro Moacyr assim se manifesta no Congresso:
”E a maior glória do Império, aquela que a
posteridade remota jamais poderá recusar aos seus dignos e honrados estadistas,
é ter assegurado através de todos os sacrifícios, inexperiências e tormentas
que naquela ocasião convulsionavam não só o Brasil mas toda a América — a
unidade étnica, moral e política da nossa raça e da nossa nacionalidade.
Setenta anos de Império construíram este vasto, colossal, admirável e querido
Brasil. Entretanto é, para mim republicano, dolorosíssimo confessar que 18 anos
do novo regime republicano conturbaram a consciência nacional, convertendo a
bela unidade conquistada pelo trabalho acumulado de várias gerações de
estadistas, em um trabalho de solapamento perverso de todos os fundamentos de
nossa nacionalidade, arrastando-nos, porventura, a um ridículo desmembramento,
se uma mão de ferro
oportunamente e com máxima energia, ressalvado
o patrimônio da nossa cultura moral e da nossa unidade étnica, não se opuser a
tantos desmandos, abusos e imprevidências.“
Em
1915 passa a representar na Câmara Federal o povo fluminense, continuando,
porém, a ser o verdadeiro defensor da oposição gaúcha no seio do Congresso
Nacional. Durante o tempo em que foi
deputado fez quase sempre parte da Comissão de Constituição e Justiça,
produzindo pareceres de reconhecida envergadura e consistência. Terminado seu
mandato em 1917, não voltou mais à Câmara.
O
ano de 1918 lhe foi difícil, devido a problemas de saúde, entretanto, no ano
seguinte entra novamente na vida da imprensa em colaborações contínuas para o
“Correio do Sul” da cidade de Bagé.
Como
característica marcante, Pedro Gonçalves Moacyr se mostrou partidário ardoroso
de uma forte aliança entre todas as oposições rio-grandenses, encontrando,
entretanto, resistências por parte de alguns. Contrariando opiniões de companheiros,
empenhou-se na Câmara pela candidatura de Fernando Abbott à presidência do Rio
Grande do Sul, e também fez a campanha de propaganda eleitoral dentro do Estado
a favor do mesmo, que tinha como bandeira a legítima democracia.
Possuía
temperamento progressista, espírito agitado, dificilmente se continha diante
daquilo que ele chamava de 'imobilidade mussulmana'.
Ler
era um de seus hábitos e com isso, mantinha-se sempre atualizado com todas as
ocorrências e ideias locais e estrangeiras da época. Possuía total afinidade
com os chamados liberais autênticos, o que lhe aproximava muito de Rui Barbosa,
com o qual escreveu o livro “A Revogação da Neutralidade do Brazil”, em 1918
através da editora Londres, contendo em suas 147 páginas dois memoráveis discursos
proferidos pelos autores. Foi redator-chefe do “Diário de Notícias” na
histórica reação civilista. Publicou, também, “O conflito das leis eleitorais
da União e do estado do Rio Grande do Sul (1908)”.
Conforme
já citado, defensor de uma anistia sem reservas, teve que enfrentar, em
setembro de 1895, a bancada castilhista, que propôs a cassação de seu mandato.
Não lograram êxito, pois sua argumentação e sua oratória lhe privilegiava,
resultando em amplo sucesso na empreitada.
Pedro
Gonçalves Moacyr, podemos afirmar com toda a segurança, viveu momento histórica
da vida política nacional, defendendo com muita bravura, consciência e
dignidade a recém proclamada República. Graças a sua força, inteligência e
intransigência direcionadas ao fortalecimento da Republica e da democracia,
encontrou solo fértil para desenvolver suas excelsas aptidões como advogado,
homem de imprensa e político. Como resultado de sua conduta ilibada e
destemida, encontrou a inveja e oposição, contudo elevaram-no ao mais alto
conceito para a história da construção dos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade, esteios para uma verdadeira democracia e estado de direito. Temos
muito a nos orgulhar deste insigne brasileiro, que permanece vivo através dos
anos como patrono da cadeira nº 11 da ACADESUL – Academia Maçônica de Letras
Sul-Rio-Grandense.
24
de julho de 1919, Pedro Gonçalves Moacyr, ainda moço, parte ao Oriente
Eterno. Após sua morte, a Livraria do
Globo, editou em 1925, com prólogo de Assis Brasil, uma coleção de seus
“Discursos Parlamentares”, obra contendo 443 páginas, a qual espelha com
bastante precisão, através da transcrição de suas manifestações no parlamento e
fora dele, um homem com bases sólidas na ética, na moral e na espiritualidade.
Nelson André Hofer de Carvalho
Nenhum comentário:
Postar um comentário